Política Matriarcal

Tradução de Roberto Cattani

 

 

Os matriarcados não são o oposto do patriarcado — as mulheres dominando os homens —, como a interpretação habitual, distorcida, nos leva a acreditar. Os matriarcados são sociedades centradas na mãe, e fundadas em valores maternos: cuidados, sustento, ajuda mútua, construção da paz por meio da negociação. São valores aplicáveis para todos, para as mães e para aqueles que não são mães, para mulheres assim como para homens. As sociedades matriarcais são construídas conscientemente sobre os valores e as funções maternas, o que as torna muito mais justas que os patriarcados. Elas são, por princípio, sociedades orientadas para o que é preciso, e não para o poder. Seus preceitos são orientados para as necessidades de todos, para o benefício coletivo. Portanto, nos matriarcados, a maternidade — mesmo originando-se de um fato biológico —, transforma-se num modelo cultural.

 

Esse é o assunto dos Estudos Matriarcais Modernos. Os Estudos pesquisam e apresentam as sociedades matriarcais do passado e do presente no mundo inteiro. Contrariamente à crença comum, nenhuma delas foi, ou é uma simples inversão do patriarcado. Pelo contrário, são todas sociedades de igualdade de gêneros, e a maioria é até igualitária em todos os sentidos.  Isso significa que não há hierarquias, classes, e tampouco dominação de um gênero sobre o outro. No caso das culturas matriarcais, a igualdade representa mais do um nivelamento das diferenças. As diferenças naturais entre gêneros e entre gerações são respeitadas e honradas, mas nunca são usadas para criar hierarquias, como é comum no patriarcado. Os gêneros e as várias gerações têm sua própria dignidade e, graças às áreas complementares de atividade, elas funcionam de concerto entre elas. Isso pode ser observado em todos os níveis da sociedade: o nível social, o nível econômico, o nível político, na visão do mundo e na fé.

 

Está tornando-se cada vez mais claro que esse modelo cultural radicalmente diferente, representado pelo matriarcado, terá uma grande significação para o futuro das mulheres e das mães, e para a humanidade em geral. Portanto, gostaria de fazer algumas sugestões para novas sociedades igualitárias e centradas na mãe, para explicar como seriam novas sociedades matriarcais. Obviamente, não há como imitar as sociedades matriarcais tradicionais, mas elas podem nos estimular e inspirar, já que — ao contrário das utopias abstratas — elas sobreviveram durante milênios. Para todos aqueles que buscam implementar novos padrões matriarcais, minhas sugestões podem servir como ponto de partida. Precisamos de uma visão clara para conseguir uma liderança clara, até alcançar uma praxis durável e poderosa.

 

A nível social, o modelo de matriarcado significa escapar da fragmentação crescente da sociedade, que arrasta os seres humanos para uma condição de separação e solidão, e os deixa adoentados e destrutivos. Pelo contrário, significa desenvolver estruturas que promovem vários tipos de comunidades por afinidade, ou intencionais, como comunas, alianças de comunidades vizinhas, ou redes. As comunidades por afinidade, contudo, não nascem por simples comunidade de interesses — esse tipo de entidades juntam-se rapidamente e se desfazem com a mesma rapidez. Pelo contrário, comunidades por afinidade surgem com interesses espirituais e intelectuais comuns, a partir dos quais desenvolve-se um clã simbólico, e o resultado é um grupo com conexões mais profundas do que uma simples comunidade de interesses.

O princípio matriarcal, nesse caso, reside no fato que esses grupos por afinidade são geralmente fundados, sustentados e liderados por mulheres. Os critérios determinantes são as necessidades das mulheres e das crianças, que são o futuro da humanidade, em vez das aspirações de poder-e-virilidade dos homens. Nesses novos matri-clãs, os homens estariam plenamente integrados, mas conforme um sistema de valores diferente, isto é, baseado nos cuidados e no amor recíproco, e não no poder.

 

A nível econômico, não é concebível um crescimento maior da indústria em grande escala, da expansão militar e do padrão de vida atual, considerando o perigo de destruição completa da biosfera, e da vida na Terra. Nesse caso, surge a perspectiva de uma economia alternativa de subsistência, local e regional, porque a perspectiva de subsistência significa independência econômica para as pessoas. Entidades de subsistência envolvem-se em atividades auto-suficientes e independentes, priorizando a qualidade de vida em relação à quantidade.

Isso não se refere unicamente à agricultura e horticultura locais, mas também à promoção da comunicação, do comércio, da tecnologia e das artes regionais. É até possível produzir alta tecnologia a nível regional, se acabarmos com sua monopolização por parte das corporações transnacionais. Essas corporações tentam tornar os povos do mundo dependentes não só de suas tecnologias, mas tentam até apropriar-se das próprias bases da vida, a água e a comida. Isso tem de acabar já!

A regionalização da agropecuária, do comércio, etc. para o benefício das mulheres e de suas famílias ou clãs é um princípio matriarcal, porque representam a base da vida humana na Terra.

 

A nível de decisões políticas, o princípio matriarcal do consenso é fundamental para uma sociedade realmente igualitária. Pode ser praticado aqui e agora, imediatamente e em qualquer lugar. É o estímulo inspirador para criar qualquer comunidade matriarcal. Estabelece um equilíbrio entre mulheres e homens, e entre gerações, para que os idosos possam expressar-se, da mesma forma que os jovens. Ademais, é realmente a base da democracia, manifestando o que as democracias formais prometem, mas nunca mantêm.

Conforme esse princípio, as verdadeiras tomadas de decisão pertencem às pequenas unidades dos novos matri-clãs. Todos os movimentos alternativos mencionados acima tentam praticar, em medida maior ou menor, esse princípio, e ganharam muita experiência dessa forma. Implementar no futuro o princípio do consenso significa desenvolver um sistema de conselhos, menores e mais amplos, todos interconectados para tomar decisões a níveis comunitário, local e regional. O princípio de consenso não pode ser posto em prática além do âmbito regional mas, nessa ótica, regiões independentes e prósperas representam o objetivo político.

 

A nível espiritual e cultural, é imprescindível que todas as religiões hierárquicas, com crenças em divindades transcendentes e pretensões de verdade absoluta — que costumam denegrir e depreciar a Terra, a natureza, a humanidade e especialmente as mulheres —, devem ser rejeitadas. Em alternativa, estamos buscando uma nova sacralização do mundo, em harmonia com a perspectiva matriarcal de que o mundo inteiro, e tudo o que inclui, é divino. Isso implica honrar e celebrar, de forma livre e criativa, a vida e o mundo visível. Dessa forma, a espiritualidade matriarcal permeia a vida cotidiana e torna-se parte natural dela.